Parque candidato a Patrimônio da Humanidade está sobreposto à terra que aguarda demarcação

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Em carta enviada à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), nesta sexta-feira (14), indígenas do povo Xakriabá da aldeia Caraíbas alertam que o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, candidato ao selo de Patrimônio Mundial da Humanidade, sobrepõe seu território tradicional que está com processo de demarcação paralisado no Ministério da Justiça e Segurança Pública há 11 anos.

A Terra Indígena (TI) Xakriabá está localizada nos municípios de São João das Missões e Itacarambi, no extremo norte do estado de Minas Gerais. O relatório circunstanciado de demarcação e delimitação da atual reivindicação do povo Xacriabá foi publicado no Diário Oficial da União em 6 de outubro de 2014, e nesse momento a assinatura da Portaria Declaratória é o próximo passo.

Em março de 2023, a Unesco aprovou a candidatura do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu à Lista do Patrimônio Mundial Natural por possuir uma rica biodiversidade, incluindo cavernas, cânions, pinturas rupestres e sítios arqueológicos, formando uma beleza cênica natural. A candidatura foi proposta pelo Estado brasileiro e a avaliação final deve ocorrer em julho deste ano.

Neste momento importante onde se discute a implementação do selo Unesco, os indígenas sentem a necessidade de dialogar e expressar, novamente, sua posição diante da relevância do tema. “Garantir a regularização do nosso território sempre foi visto pelo nosso povo como a base central das nossas ações de sobrevivência”, relam no documento.

Os Xakriabá, da aldeia Caraíbas, endereçaram a carta a membros da Unesco: ao Diretor General, Audrey Azoulay; ao Diretor de Patrimônio Mundial, Lazare Eloundou Assomo; ao Chefe da Unidade América Latina e Caribe, Mauro Rosi. Endereçam também ao presidente da Comissão Brasileira para o Programa “O Homem e a Biosfera” (COBRAMAB), Eduardo Serra Negra Camerini, e ao Escritório do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera do Cerrado.

Para os indígenas é “necessário que o Governo brasileiro prossiga também no pleito demarcatório, assinando e publicando no Diário Oficial da União a portaria declaratória do nosso território, por entendermos que os dois processos precisam caminhar juntos”. Tal posição “não é uma discordância acerca da importância deste ato encabeçado pela Unesco, é um pleito que consideramos relevante, contudo, é urgente e necessário que possamos, enquanto povo indígena, nos posicionar diante de preocupações visto que neste momento este pleito se esbarra na falta de encaminhamentos concretos solicitado em tempo hábil ao governo brasileiro”, reforçam os indígenas na carta enviada ao órgão.

Tal posição do povo consta na Ata da Consulta Prévia Livre e Informada realizada ao território Xakriabá, aldeia Caraíbas, em junho de 2024, apresenta com clareza a solicitação que permanece sem providências por parte do governo federal nesse impasse. A Consulta Prévia Livre e Informada é um direito conquistado pelos povos de serem ouvidos sobre decisões que os afete, porém, a Consulta sem o devido respeito ao deliberado os Xakriabá da aldeia Caraíbas entendem que “este processo perde legalidade e legitimidade”.

Com largo historio de violências e violações de seus direitos originários, descritos com detalhes na carta, os Xakriabá convivem com prejuízos irreparáveis e relatam continuar “enfrentando situações extremas devido às ameaças decorrentes do nosso posicionamento firme em defesa do nosso território, uma luta legal e legítima pela proteção e defesa da vida, dos biomas e das águas”. Garantir a regularização do território Xakriabá sempre foi a base central das ações de sobrevivência do povo, razões pelas quais, “atualmente, grande parte dos caciques e lideranças do nosso povo estão inseridos no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, [Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH)]”, denunciam.

Na carta, os indígenas elencam a “instabilidade jurídica” como o principal entrave para a garantia e efetivação de seus direitos territoriais, somadas à “morosidade do Estado” em concluir a demarcação da TI Xacriabá. Também denunciam os “interesses políticos e econômicos externos” que afetam suas coletividades, impactam suas vidas e comprometem as bases de sobrevivência do povo.

Na avaliação dos Xakriabá, a recorrência nos atos de violação de direitos é “alimentada pela falta de ‘vontade política’ que procura se estabelecer como soberana se colocando acima dos princípios constitucionais, o racismo estruturado se caracteriza como ‘legalismo’ e ‘legitimação’ dessa violência”, o que fragiliza ainda mais a existência quanto povo.

Segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, cabe ao Estado “adotar as medidas necessárias para determinar/identificar as terras que tradicionalmente ocupamos e garantir a proteção efetiva dos nossos direitos”. Assim como, cabe ao “Estado signatário a promoção da plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais dos povos indígenas”.

Na carta à Unesco os indígenas reiteram seu compromisso histórico com as ações que permitem um olhar sobre os processos que discutem a crise climática, a proteção e defesa das relações harmoniosas de convivência com a natureza, a defesa e proteção de direitos, e o papel da Unesco, “mas não podemos deixar de chamar a atenção sobre o impasse que carece ser observado e superado”. Razões pelas quais a comunidade reforça o pedido ao governo brasileiro conclua a demarcação da TI Xakriabá.

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