Trump e a imprensa

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Por David Enrich

O ex-presidente Donald Trump tem uma longa trajetória de ataques à imprensa, popularizando expressões como “notícias falsas” e chamando jornalistas de “inimigos do povo”. Além de processar veículos de comunicação, sua administração investigou emissoras e espalhou alegações infundadas sobre o financiamento de empresas de mídia, incluindo o The New York Times.

Embora presidentes de ambos os partidos tenham criticado a imprensa ao longo da história, Trump foi além ao questionar a própria existência de uma mídia independente. Ele deseja que jornalistas reproduzam suas narrativas e enfrentem punições caso não o façam. Atualmente, suas ameaças contra a imprensa estão se concretizando, gerando riscos crescentes para o jornalismo na era Trump.

O conflito com o jornalismo

Desde o início de sua administração, Trump impôs restrições a jornalistas e veículos de comunicação. A Casa Branca vetou repórteres da Associated Press por não aceitarem a reclassificação do Golfo do México como “Golfo da América” e pretende escolher quais mídias podem cobrir o governo, estratégia comum em regimes autoritários. Além disso, a Comissão Federal de Comunicações iniciou investigações sobre a atuação de emissoras como CBS e PBS, enquanto um repórter da Voice of America foi acusado de traição por citar críticas ao presidente.

Especialistas em mídia temem que ações como essas se intensifiquem. O Departamento de Justiça pode processar jornalistas por leis de espionagem, e veículos de comunicação já se preparam para possíveis investigações sobre imigração e impostos como forma de retaliação.

Trump, por sua vez, usa processos judiciais como uma ferramenta de pressão. Ele processou a ABC News por difamação após uma declaração errônea de um âncora sobre um caso de abuso sexual e recentemente entrou com ações contra a CBS e o The Des Moines Register, alegando manipulação de informações. Seus advogados frequentemente ameaçam veículos de mídia por reportagens desfavoráveis.

O papel da Suprema Corte

Tradicionalmente, figuras públicas enfrentam dificuldades para vencer processos contra a imprensa devido à decisão histórica da Suprema Corte no caso New York Times v. Sullivan (1964). Essa decisão exige que o reclamante prove que jornalistas publicaram informações falsas intencionalmente ou com total negligência quanto à veracidade. O objetivo dessa norma é impedir que poderosos usem o Judiciário para silenciar a mídia.

No entanto, Trump e outros conservadores têm pressionado pela revisão dessa jurisprudência, buscando facilitar processos contra jornalistas. Esse esforço é detalhado no livro Murder the Truth: Fear, the First Amendment, and a Secret Campaign to Protect the Powerful. Se bem-sucedido, esse movimento pode levar a uma imprensa mais cautelosa ao expor figuras influentes.

Nos últimos anos, a pressão para enfraquecer Sullivan tem crescido. Políticos como Sarah Palin e empresários como Steve Wynn já pediram à Suprema Corte que restrinja ou anule esse precedente. Embora apenas dois juízes da Corte tenham apoiado essa ideia até o momento, a possibilidade de mudanças ainda está em aberto. Uma solução intermediária poderia ser a redefinição do conceito de figura pública, tornando mais fácil para algumas pessoas famosas vencerem ações por difamação.

Assédio judicial contra aimprensa

Independentemente das decisões da Suprema Corte, jornalistas e redações já enfrentam desafios significativos. Processos judiciais têm sido usados para intimidar repórteres e veículos menores, muitas vezes sem a intenção de vencer, mas sim de causar prejuízos financeiros. Defesas legais são caras, e seguradoras podem aumentar preços ou suspender coberturas de veículos processados. Isso pode levar pequenas publicações a evitar matérias investigativas sobre figuras influentes.

Mesmo grandes empresas de mídia estão vulneráveis. A Disney, proprietária da ABC News, pagou US$ 16 milhões para encerrar um processo de Trump, evitando confronto com ele. A Paramount, que controla a CBS, enfrenta obstáculos regulatórios e pode ceder à pressão do governo para resolver disputas. O Washington Post, de Jeff Bezos, tem recebido elogios da Casa Branca após ajustar sua linha editorial, enquanto empresas ligadas a Bezos, como a Amazon e a Blue Origin, dependem de contratos federais.

Diante desse cenário, a equipe jurídica de Trump se sente encorajada a continuar processando a imprensa, combinando ações judiciais com esforços para minar a credibilidade do jornalismo. Essa estratégia fortalece a narrativa do ex-presidente e pode ter um impacto duradouro sobre a liberdade de imprensa nos Estados Unidos.

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